Review | Mediterranea Inferno

Desenvolvedora: Eyeguys, Lorenzo Redaelli
Publicadora: Santa Ragione
Gênero: Visual Novel
Data de lançamento: 05 de março, 2024
Preço: R$ 59,00
Formato: Digital

Análise feita no Nintendo Switch com chave fornecida gentilmente pela Santa Ragione.

Revisão: Marcos Vinícius

Em 2022, o lançamento de Switch de Milky Way Prince — The Vampire Star me chamou a atenção com uma proposta bem diferente de visual novel BL. Criado pelo italiano Lorenzo Redaelli como uma espécie de retrato altamente pessoal da experiência de um relacionamento tóxico, a obra se mostrou tão experimental e interessante quanto eu esperava.

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Uma aventura intoxicante e ousada que demonstra a linha tênue entre as brasas da paixão e as queimaduras da toxicidade. Milky Way Prince — The Vampire Star é uma experiência soturna, aterradora  e intensa, mas acima de tudo apaixonante.

Com Mediterranea Inferno, o desenvolvedor dá um passo além para instituir o seu estilo autoral. Acompanhando três personas queer, vemos uma realidade complexa, repleta de simbolismos bem colocados para retratar o psicológico em frangalhos dos nossos protagonistas.

Infernos pessoais e sociais

Mediterranea Inferno conta a história de três rapazes gays, Claudio, Andrea e Mida. Na sociedade italiana, os três eram conhecidos como I Ragazzi del Sole (os garotos do sol) porque não havia festa em que eles não estavam. Juntos, eles viviam a boêmia e eram o centro das atenções de todos os rapazes.

Porém, tudo mudou quando veio a pandemia. O isolamento social forçou os três jovens a se separarem e viverem circunstâncias que afetaram drasticamente a sua saúde mental. Problemas que antes eles conseguiam ignorar vieram assombrá-los como uma presença constante durante esse período.

Com o fim das medidas restritivas, os três decidem se reencontrar e tentar reatar os laços que perderam durante esse tempo. Porém, as coisas não são tão simples assim. A distância criou um grande abismo entre eles que não é tão simples de apagar e as suas manias, desejos e angústias estão ainda mais à flor da pele.

Chama a atenção aqui a discussão de temas existencialistas relacionados à construção da identidade. Claudio quer se descobrir e vê a glória apenas no passado e na figura sempre constante de seu poderoso avô. Para Andrea, conectar-se com os outros, socializar e se divertir são coisas imprescindíveis. Já Mida prefere uma experiência mais calma para ter a chance de se vangloriar de suas conquistas para os amigos.

É como se cada um deles fosse um lado diferente do convívio em sociedade. Os três se sentem vazios e fracos por motivos próprios. O convívio tem a chance de ajudá-los a se enxergar melhor, mas logo podemos perceber que os três tendem à autodestruição.

Miragens: desejos e delírios

Um aspecto fundamental da trama é que os três buscam usar as férias de verão para obter os frutos das miragens. Esses objetos incorporam as suas ambições, mostrando a fundo os seus desejos ganhando forma. Como uma gimmick altamente suspeita, ela faz com que os personagens vejam o que desejam e ao mesmo tempo escancarem para o jogador as suas várias facetas.

Ao longo de três dias, quem conseguir coletar quatro frutas terá acesso ao paraíso. Porém, isso pode também significar condenar os outros amigos à perdição, levando o grupo a se partir e as rachaduras a ficarem visíveis. Mesmo amigos, eles revelam suas frustrações e antagonismos quando há a priorização de um personagem em detrimento a outros.

Nas miragens, temos a oportunidade de interagir com mundos oníricos. Por exemplo, quando Andrea vai à praia, a sua miragem tem várias conotações sexuais. Temos comidas com formatos fálicos, banheiros nos quais os personagens fazem práticas libidinosas, piadas de duplo sentido. Em outra miragem, Mida comenta sobre seu status de influencer digital e a sua capacidade de ser intocável, sendo capaz de mostrar o que quiser para as pessoas sem que elas nunca alcancem as profundezas do mar de sua alma.

Os momentos mais brilhantes de Mediterranea Inferno são justamente aqueles que refletem sobre cada personagem através de metafóras visuais riquíssimas. Nesses momentos, é fácil notar a inspiração de Redaelli no diretor japonês Kunihiko Ikuhara, responsável por animações como Mawaru Penguindrum, Utena e Sarazanmai.

Cada um desses pequenos mundos, as miragens, são prismas da alma dos personagens. Um momento de introspecção, uma chance de refletir sobre a sociedade, os comportamentos performáticos e a forma como nos relacionamos e criamos as nossas identidades. Mesmo os excessos são formas de enfatizar os dramas, os anseios e as dificuldades sob a visão dos personagens, um plano subjetivo, mas de fácil empatia.

Um fruto psicodélico

Nesse contexto, também preciso ressaltar que a obra brinca com conceitos de terror e mistério. O uso de sombras e luzes, as imagens psicodélicas, e o surrealismo dos ambientes distorcidos, tudo isso contribui para a sensação de que algo está errado.

A estética visual é complementada pela direção sonora espetacular. A obra consegue ir de momentos extremamente leves e cômicos à sensação de medo do que está por vir. A trilha sonora conta com versões reimaginadas de músicas italianas das décadas de 70, 80 e 90, mas os efeitos e até mesmo o uso do silêncio são muito bem empregados.

Infelizmente em alguns quesitos técnicos, a edição de Switch acaba deixando a desejar. Primeiramente, a falta do suporte à tela de toque é um grave erro para uma visual novel no Switch, pois torna a experiência no modo portátil menos prática. Também não temos o skip tradicional, o que é particularmente negativo no caso do jogo por conta de seus múltiplos finais e da possibilidade de repetirmos os momentos da trama. Após concluir um certo final, até liberei um acelerador em 5x, mas ele não passa automaticamente o texto já lido, tornando a opção menos útil do que o usual do gênero.

Em alguns momentos, temos fundos muito claros e eles podem dificultar a leitura do texto branco mesmo com uma linha de destaque mais escura. Por fim, e talvez um dos defeitos mais graves do jogo, é o fato de que o save manual não funciona muito bem. Nas vezes em que tentei usá-lo em vez de confiar apenas no save automático, acabei criando versões antigas de arquivo e perdendo progresso ao usar essa funcionalidade. Confesso que até agora não entendi bem o problema e mesmo após um patch pré-lançamento, testei e vi que ele não foi corrigido.

A sensibilidade que jorra como néctar

Mediterranea Inferno é uma obra profundamente sensível em suas discussões e consegue oferecer uma visão psicodélica instigante de problemas sociais contemporâneos. A vida dos três meninos do sol é uma forma curiosa de refletir sobre as nossas próprias mazelas, sobre o mundo que vivemos e o que desejamos para o futuro. Mesmo com os pequenos problemas técnicos, trata-se de uma obra imperdível e a prova derradeira da habilidade do criador Lorenzo Redaelli.

Prós

  • Bela discussão de temas contemporâneos sobre identidade, alteridade e busca de si;
  • Visualmente deslumbrante com toques psicodélicos que remetem ao estilo do diretor japonês Kunihiko Ikuhara;
  • A estética performática dos personagens e o terror surrealista dos eventos são muito bem utilizados para amplificar o drama, os mistérios e o terror da obra;
  • Direção sonora perfeita para a ambientação moderna e os tons dos vários momentos da trama.

Contras:

  • Ausência de suporte à tela de toque do Switch;
  • Bugs com os saves podem dificultar a exploração do jogo;
  • Sem skip, o loop da trama se torna mais exaustivo;
  • Em alguns fundos claros, o texto pode ser um pouco difícil de ler.

Nota Final:

9

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