2021: a primeira Nintendo Direct tradicional após um ano de hiato e expectativas por conta da pandemia. O isolamento social e a falta de notícias de lançamentos preocupava fãs do console híbrido da Big N. Entre o anúncio de Splatoon 3, updates de Super Smash Bros. Ultimate e o trailer de um novo Mario Golf: Super Rush, uma dupla de remakes passou batida por grande parte do público. Os dois títulos Famicom Detective Club foram retrabalhados pela talentosa equipe da MAGES., sendo localizados pela primeira vez ao Ocidente após mais de 30 anos, trazendo novos visuais a clássicos do gênero.
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O aceno à franquia já havia sido uma surpresa inegável, mas quem poderia dizer que os remakes apenas serviram para preparar o terreno para uma nova entrada na série, 35 anos após seu antecessor? Um teaser misterioso invadiu as redes da Nintendo em 2024, mostrando uma silueta de um homem coberto por uma sacola de papelão com um sorriso macabro nela desenhado. Com o anúncio, tivemos apenas um nome: Emio.

Não tardou a descobrirmos parte do mistério. Tratava-se, afinal, do anúncio do mais novo jogo de Yoshio Sakamoto: mais conhecido por ser criador da série Metroid, mas também responsável pela franquia Famicom Detective Club. Utilizando a base do remake, com um desenvolvimento em cima da engine da MAGES., a franquia por fim sai de seu prolongado hiato direto para sua conclusão derradeira. E quando digo que descobrimos parte do mistério, digo porque apenas ao termos em mão o título poderemos entender por completo o mistério aqui estabelecido: um misto de lenda urbana com assassinatos em série, casos que têm como ponto em comum a presença da sacola de papelão de Emio, que teoricamente dá cabo do sofrimento de jovens mulheres. Anos após os primeiros jogos, e muitos anos após as primeiras aparições de Emio, a onda de assassinatos em série ao redor da figura parece ter recomeçado, e será dever da agência Utsugi de detetives investigar as mortes suspeitas.
O presente texto não pretende teorizar sobre a narrativa. Muito pouco se sabe a respeito do enredo, e por hora temos acesso a uma demo bem curta, dando-nos acesso apenas à introdução do título, com mais capítulos chegando antes do lançamento. Até o momento, já conseguimos ver uma evolução a partir dos remakes, com animações mais detalhadas, maior variação de ângulos de câmera durante diálogos e maior variação de cenário. Podemos notar, também, que a história adotou um tom mais sóbrio, e a linguagem utilizada não está presa a convenções da mídia. Mas deixemos as hipóteses para o futuro recente, principalmente levando em consideração que o lançamento se dá em poucos dias. Sua intenção, portanto, é instigar o interesse em curiosos, a curiosidade em desavisados e a atenção em desinteressados. Isso porque, no final das contas, FDC é provavelmente uma das franquias menos conhecida no ocidente — no Brasil, então, poucos são os que sequer ouviram falar do nome, principalmente ao se considerar a falta de localização do português. Ao mesmo tempo, são dois jogos referenciados e reverenciados principalmente no Japão, servindo como molde para o gênero action adventure e contendo narrativas complexas com personagens marcantes.
Grande parte dos acertos dos jogos originais é o quanto sua estrutura narrativa e sua escrita estão associadas com o romance policial. Enfatizo, aqui, o aspecto literário: o gênero policial pode ser encontrado em qualquer mídia e com estilos distintos, mas FDC é, essencialmente, um romance ilustrado. O aspecto ludo não define a experiência: interagimos com o cenário, apresentamos evidências e escolhemos opções de diálogo, mas a narrativa é linear, sem abrir espaço para ramificações e sem ter diálogos hiper-expositivos criados apenas com a intenção de guiar o jogador (sim, estou falando de você, Ace Attorney). A ênfase, sempre, é no mistério, com dúvidas e incertezas o suficiente para sempre nos impulsionar para o próximo diálogo, para a próxima suspeita, até a resolução do caso.

Dentro do aspecto literário, não há como deixar de abordar o aspecto geográfico e as características dos investigadores. A regionalização dos casos é capaz de apresentar facetas da sociedade japonesa: as aristocracias rurais, a pressão escolar, o perigo das ruas noturnas, e os crimes passam a ser fatos sociais, que podem ser dissecasos e analisados. Se esse aspecto indica referências da corrente americana do romance policial, temos a corrente inglesa representada no protagonista: o jogador precisa deduzir, buscar evidências materiais, encontrar contradições, enquanto sua parceira, Ayumi, retrata uma análise mais emocional dos fatos, estabelecendo uma relação interessante de investigações. Ayumi, inclusive, parece ganhar importante relevância no novo título, já que certos capítulos trarão sua perspectiva direta pela primeira vez na série.
O que une os três títulos, porém, não é apenas o aspecto investigativo. Os casos — e aqui incluo o de Emio — são sempre referentes a lendas urbanas. Uma maldição familiar, o fantasma de uma estudante morta, um monstro serial: cada jogo nos instiga a encontrar resoluções materiais a problemas imateriais: um embate entre científico e místico, talvez representando uma perspectiva da sociedade japonesa muito pautada por crenças ao invés de buscar racionalizações de acontecimentos.
Sendo histórias de assassinatos, os jogos sempre acertaram no aspecto macabro: as violências são sugeridas, o pesar é latente e, em certos momentos, até os visuais são horripilantes (principalmente em A Girl Who Stands Behind). O novo título, porém, parece querer dobrar a aposta. Afinal, trata-se de um dos raríssimos jogos publicados pela Nintendo que ostenta a classificação Rated M. Se todos os pontos listados até então não surpreendem, acredito que este deve surtir certo efeito, ao menos quando levamos em consideração o imaginário criado ao redor da imagem da empresa. Sakamoto, sem dúvidas mais madurecido em seu papel enquanto designer de narrativa (basta vermos a evolução de Other M e Metroid Dread), parece decidido a criar uma experiência que não subestima o público, instigando-o a sair de sua zona de conforto.

Com este pensamento, ofereço uma conclusão. O mercado de jogos está imerso em apostas seguras: jogos gráficos, replicando fórmulas, “targeteados” antes de sequer existir uma linha de código. São poucos os momentos em que podemos ver um jogo criado pela simples paixão de um veterano na indústria e orçado por uma grande empresa. Ao sair da zona de conforto, caro leitor, fazemos a indústria fazer o mesmo, quebrando enfim a maçante inércia que não apresenta nada novo, fora poucas iniciativas independentes ofuscadas pelos nomes batidos no mercado. Uma obra como Famicom Detective Club pode ser exatamente o que o mercado precisa nesse momento, e talvez você, leitor, também.
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