A vida funciona com ciclos. Eu me lembro de, dez anos atrás, ler o final de Naruto e esperar algo digno da série. Claro, não estava indo bem desde que começou o arco final, mas pelo menos ver algo que valesse a jornada. Naruto virando Hokage, casando com a Sakura como deveria ser, orgulho e respeito de todos e muito mais.
Chega o capítulo 700 e é um desastre. Acompanha ainda um filme medíocre, dez capítulos extras horrorosos e uma franquia falida criativamente, com as pessoas lentamente acordando do pesadelo e aceitando que o final foi péssimo (e ainda concordando com Naruto e Sakura juntos). Meu ponto é: jogar Mars 2120 (Switch) me trouxe essa nostalgia de aguardar algo e me dar de cara com o chão. Sem mais delongas, vamos acabar logo com isso.
Perdida em MarteA Sargento Anna “Treze” Charlotte chega ao planeta vermelho para atender um pedido de socorro. Pouco depois de pisar em Marte e tirar seu capacete, uma avalanche de pedras a persegue até a estação. Lá, ela deve enfrentar monstros, forças armadas e descobrir o que está rolando.
Se isso pareceu breve, é que esse é o máximo de enredo que o jogo oferece. Para se ter uma ideia, eu só sei o nome da protagonista porque eu li em materiais de lançamento porque, em nenhum momento, ele é dito em toda a gameplay. Apesar de ela ter um design legal, não é nada que vá ficar na memória do jogador.
Ninguém pode te ouvir gritar no espaçoA jogabilidade de Mars 2120 é algo digno do espaço: vazia, fria e potencialmente radioativa. Anne tem dois métodos de ataques iniciais: tiros com sua arma e sequências de combate mano a mano, e ambos não funcionam como deveriam. A mira da arma é inconsistente e temperamental, não mirando direito nos inimigos (o que pode ser um problema imenso contra aqueles pequenos e irritantes insetos voadores), com opções de mira automática (fazendo Anne andar de uma forma nada natural enquanto atira) e livre (podendo mirar com o analógico direito, o que deixa tudo desconfortável e mais irritante).
Em combate corpóreo, Anne desfere sequências de combos que no começo parecem legais de fazer, mas que logo evocam um dos maiores defeitos do jogo: a falta de impacto. Todo e qualquer ataque dela parece artificial, as reações dos inimigos são no mínimo forçadas e sem acabamento, ficando até estáticos no ar como se fossem desenhos de Looney Tunes. A artificialidade de movimentos não para por aí. Desde o começo, Anne consegue saltar duas vezes da forma mais artificial possível; um movimento de voadora para baixo (que ajuda ela a descer mais rápido mas sem ser um ataque, inexplicavelmente) não tem efeito sonoro algum e também mal polido, como se ela estivesse caindo dura e sem peso algum.
O jogo tenta forçar um sistema de RPG, com experiência e novos ataques, mas não trabalha nada bem com isso. Nada mais, os power ups deixam ainda mais clara a falta de paixão no projeto, sendo limitados, esparsos e pouco intuitivos.
Ataque dos ClonesA equipe de desenvolvimento declarou que usou títulos como Alien e Metroid como inspiração e não poderia ser mais que óbvio. Uma soldado casca grossa jogada na solidão do espaço sideral onde tudo e todos querem fazer dela o lanchinho da noite. Em minha análise de Echo Generation eu critiquei o jogo tendo muita inspiração e pouca substância. Aqui, o problema vai muito além porque as coisas estão mais para cópia do que inspiração.
Os cenários tentam muito evocar a sensação de terror e solidão (obviamente copiando Metroid Dread), mas eles são tão mal polidos que fica mais frustrante de perceber a falta de tato e desenvolvimento. Logo na avalanche de pedras tudo é muito artificial, com os destroços desaparecendo dentro de si e numa velocidade bem baixa, totalmente nada natural e robótica. No segundo chefão, uma aberração de gelo, tem um ataque que faz estalactites caírem do teto e é uma das coisas mais tristes que eu vi em um jogo de Switch: todos os modelos são iguais e horríveis, caindo em uma velocidade praticamente nula e sem impacto algum. Na TV, o jogo parece aceitável visualmente. Parece algo que deveria ter sido lançado em 2017, mas é aceitável. Porém, no portátil, é algo digno de filme Z, com serrilhados horríveis e os inúmeros erros de modelos bastante perceptíveis.
Carregamentos duram uma eternidade, com direitos a travamentos que até param a música (uma relíquia da era PS2, inaceitável hoje em dia), inclusive com momentos que o jogo simplesmente fechou. Até a morte é algo inacabado, com uma rápida tela de game over, parando a gameplay de imediato e depois avançando para recarregar (não antes de dar um rápido frame do jogo, de forma bastante amadora). As músicas são ridiculamente baixas, não memoráveis e que não atuam para dar imersão. Os inimigos são os mais genéricos possíveis, com design de som pouco memoráveis e bastante irritantes (mais uma vez, insetos).
Além disso, o jogo não só não coopera com a história pouco desenvolvida mas também não ajuda o jogador em nada na gameplay. Quando se chega a uma estação e libera uma passagem, um rápido vídeo mostra a porta se abrindo e é isso. Ele não te mostra onde é, não notifica no mapa aonde você deve ir, ele simplesmente espera que vá. É comum que metroidvanias não peguem na mão do jogador e deixem que descubram sozinho, mas em um mapa tão mal desenvolvido como em Mars 2120 esse deveria ser o mínimo a se fazer.
Sendo um projeto brasileiro, Mars 2120 está traduzido para o português, mas até isso não foi feito direito. Encontrei erros de português e os áudios encontrados pelo jogo têm uma atuação medíocre.
Plano 9 do Espaço SideralO mercado de jogos nacional está crescendo. Nos últimos tempos o Brasil cresceu forte com os lançamentos de Dodgeball Academia, God of Rock e Pocket Bravery. Lentamente, estamos conseguindo notoriedade no mundo dos games e Mars 2120 vai também ser notório: vai ser o nosso próprio Aliens: Colonial Marines.
Retomando o começo desta análise, eu tinha esperanças com Mars 2120. Eu vi as entrevistas, vi o que o jogo oferecia e pensei: “Este vai ser um título ótimo, digno de ser inspirado nos titãs que homenageia”. Aí eu me deparo com o resultado final e minha decepção toma conta de todo o entusiasmo.
Com uma jogabilidade ruim, ambientação nula, música e personagens esquecíveis, é um título que eu não faço a menor ideia de como conseguiu ser lançado nesse estado. Desespero para logo sair no mercado ou desleixo com o consumidor? Só uma tonelada e meia de atualizações para deixar esse jogo mais interessante. Até lá (se esse dia vier), quer se divertir com um jogo que se passa no espaço? Jogue Asteroids.
Prós:
- Proposta única no mercado nacional;
- Traduzido em português do Brasil;
- Relativamente bonito na TV.
Contras:
- Falta de impacto nos movimentos e ataques;
- Visualmente horroroso no portátil;
- Muita inspiração e pouca química tornam tudo genérico;
- Sistema de progressão inútil;
- Claramente mal polido e inacabado;
- Travamentos e tempo de carregamento inaceitável;
- História inexistente, adaptação ao português brasileiro péssima e atuação atroz.
Mars 2120 — PC/PS4/PS5/XBOXSX/Switch — Nota: 3.0Versão utilizada para análise: SwitchRevisão: Vitor TibérioAnálise produzida com cópia digital cedida por QuByte Interactive
Matéria originalmente publicada no Nintendo Blast (https://nintendoblast.com.br)
Deixe um comentário