A Jornada de TSUKIHIME: Porque a tradução importa mais do que aparenta

São tempos bons para ser fã da TYPE-MOON. As três grandes franquias de visual novel estão finalmente sendo localizadas; Witch on the Holy Night recebeu sua tradução junto com relançamento remasterizado em 2022, Fate/Stay Night vai finalmente ter uma tradução oficial e de fácil acesso, e a estrela da vez, TSUKIHIME, não só recebeu seu tão aguardado remake, mas uma tradução poucos anos depois. Tanto o remake quanto a tradução parecem banais: recebemos traduções de visual novels para o inglês com uma frequência maior do que já visto, mas até chegar a este ponto, foi uma longa jornada.

Parece que por anos, e eu não digo 5 ou até 10, mas por quase duas décadas, só foram entregues pequenas demonstrações dessa história. Ela foi apresentada de várias formas diferentes, por jogos de lutas, aparições especiais na franquia Fate e em animes que viralizaram em clipes do youtube (sim, estou falando de Carnival Phantasm). Para que haja uma compreensão maior do porquê isso é mais importante do que primeiro aparenta, vou explicar toda a jornada que essa franquia teve, no ocidente e oriente.

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O mais esperado pelos fãs da TYPE-MOON neste lado do globo, TSUKIHIME -A piece of blue glass moon- não só cumpre as expectativas como um remake do clássico cult de 2000 como também as supera.

A Princesa da Lua

O primeiro jogo da franquia foi grande para o mundo dos doujins. A TYPE-MOON, na época, ainda não era uma empresa formal, e sim apenas um pequeno grupo de amigos, composto por roteirista, programador, artista e um compositor. Com visuais rudimentares, uma trilha sonora de apenas 10 trilhas e uma programação que engasga em qualquer computador que não seja em um Windows XP e em um monitor de resolução de dígitos triplos, o tempo não foi bom com o TSUKIHIME original, não só em seu sentido técnico, mas também em conteúdo.

Entretanto, se TSUKIHIMEfoi deixado para trás, ele também foi responsável por criar uma rota para à frente de outros jogos, tanto da própria TYPE-MOON, que permaneceu no mundo dos jogos de PC, quanto para outros criadores que iriam, futuramente, criar obras louvadas pela comunidade das Visual Novels. Sem Tsukihime, não teríamos a franquia When They Cry, o traço de Takeshi Takeuchi, mesmo que rudimentar nesta primeira tentativa, foi um dos pontapés da transição do traço noventista para o que é hoje o traço moderno de animes.

Então, afinal, do que se trata TSUKIHIME? Lançado como um doujin no ano 2000, TSUKIHIME é um eroge, terminologia usada para jogo erótico, logo, uma história adulta e que, em instâncias, tem cenas eróticas explícitas em sua história. Por consequência, ele só poderia ser lançado nos computadores, e por lá ele ficou, em seu limbo por 21 anos. Sangue e impulsos são temas centrais em TSUKIHIME, logo, cenas que podem se aproximar de uma história de terror são frequentes, e nosso narrador, o autor da maioria desses momentos.

Tohno Shiki, quando era muito jovem, sofreu um acidente que deveria ter sido fatal, mas milagrosamente sobreviveu. Seu corpo foi impactado por este acidente, sendo constantemente afetado por crises de anemia, mas havia algo pior, ele conseguia ver linhas em todo objeto existente, como se tudo estivesse rachado, logo, ele descobriu que podia cortar essas linhas, e com simples facas de cortar frutas, ele conseguia partir camas no meio. A agonia de ninguém acreditar nele fez o jovem fugir, mas não consegue ir muito longe.

Em um campo verde extenso, uma mulher de cabelos escarlates quase o chuta, e por algum motivo, decide escutar o garoto, sobre tudo que ele tinha pra contar, e por fim, sobre sua nova capacidade. Essa mulher alerta o jovem Shiki sobre a gravidade do que ele pode fazer, e o que ele vê é a morte de tudo. No último dia de seus encontros, a moça presenteia-o com óculos que ao serem colocados inibem essas linhas, e faz ele prometer que será responsável com esses poderes. Palavras, porém, são apenas irrelevantes se não cumpridas.

Anos se passam, a vida de Shiki passa por várias mudanças, mas ele vive como um estudante normal. Um dia, porém, ele cruza caminhos com uma mulher de cabelos loiros e olhos vermelhos. Isso desperta algo em Shiki, um impulso sombrio de desejo. Shiki a segue até seu apartamento e corta a mulher em mais de uma dezena de pedaços. Quando sua consciência retorna, ele tem noção do que fez, do crime que cometeu, da promessa que quebrou com a mulher do campo, da qual ele nunca esqueceu. Ele não compreendia seus impulsos, o porquê de ter feito o que fez, mas ele tinha certeza que a imagem da mulher que ele cortou nunca sairia de sua cabeça. Ele estava correto, pois logo na manhã seguinte, ela o esperava na frente da escola, para receber um pedido de desculpas.

A recepção

Tsukihime foi muito popular, pelo menos, para os padrões de uma publicação independente exclusiva do Japão. O conflito de todos os personagens fazem o jogador sempre se questionar o que a história tem como carta na manga para cada um deles. Com um protagonista interessante e 5 heroínas: a vampira, Arcueid; a exorcista, Ciel; a irmã mais nova de Shiki, Akiha; e as duas empregadas, Hisui e Kohaku, todos com histórias interessantes e conflitos que sempre envolvem as temáticas de sangue e impulso, pecados e perdões. Kinoko Nasu, o escritor de Tsukihime, escreve personagens como ninguém (e cenas eróticas como ninguém mesmo, porque ninguém seria tão sem noção a ponto de escrever cenas do tipo como Kinoko Nasu escreve).

Portanto, com um jogo de sucesso em mãos, só restava saber como prosseguir. Em menos de um ano, Tsukihime recebeu uma sequência chamada Tsukihime: Kagetsu Tohya. Em um esquema geral, foi uma sequência de pouco destaque, trazendo apenas mais uma personagem ao elenco e alguns elementos que seriam utilizados em Melty Blood, como a personagem Len.

Por falar em Melty, em 2002, a TYPE-MOON se juntou com outra empresa de doujin, French-Bread, e juntas produziram um jogo de luta usando os personagens de TSUKIHIME, chamado Melty Blood, outro grande sucesso, maior inclusive do que de seu irmão mais velho. Melty se tornou uma sensação entre os fãs de anime fighters, que estavam criando seu próprio público na época. Por consequência, se tornou o primeiro jogo da TYPE-MOON a ser portado aos consoles (também por ter cortado todo o conteúdo erótico presente nos jogos prévios). Melty Blood teve quatro revisões e uma sequência, que saiu pouco tempo antes do remake de TSUKIHIME no Japão. Foram os primeiros jogos da franquia a serem portados para fora do Japão, e, por consequência, a principal introdução à franquia para o público ocidental.

Melty continuou, quase como uma entidade própria, e seu cenário competitivo foi ativo por muito tempo, e sua comunidade bem vocal. O jogo introduziu novas versões de personagens já estabelecidos, além de novos personagens para o Mythos do universo como um todo, e em um geral, furou a bolha, se tornando icônico no cenário de desenvolvedores de jogos Mugen.

Melty Blood sobreviveu por comunidades online e fóruns após o fim de seu apoio oficial. A desenvolvedora, French-Bread, criou suas próprias franquias, e a TYPE-MOON investiu em Fate/, logo, o primeiro jogo de luta da Type-Moon também ficou no mesmo limbo de seu progenitor.

Porém, adjunto do trailer de anúncio do remake do original, revelaram uma nova entrada na franquia Melty. Melty Blood: Type Lumina lançou um mês após o lançamento original de A piece of blue moon glass. Apesar da boa recepção inicial, por mesclar o novo estilo da franquia com a movimentação clássica do jogo original, Type Lumina não conseguiu trazer novos fãs, e dividiu a fanbase anterior pelas mudanças de jogatina que, para muitos, homogeneizou todo o elenco. Por falar no elenco, esse foi outro elemento divisivo da sequência, que abdicou de alguns personagens próprios de Melty Blood em troca de 4 personagens da franquia Fate. Se me permitem colocar o chapéu de alumínio por um instante, pode muito bem ter sido uma forma de testar as águas para um futuro jogo de luta de Fate, já que a parceria entre a TYPE-MOON e French-Bread não parece ter terminado.

MELTY BLOOD: TYPE LUMINA

E um último elemento, um que pode trazer meu nome a um dos mais procurados da internet, dentro da fanbase do Nasuverso. Teremos que discutir o proibido.

O Anime que não existe

Em 2003, o maior prego no caixão de hibernação de TSUKIHIME foi pregado. Adaptado pela J.C. Staff, TSUKIHIME recebeu uma adaptação em anime, que contava a rota da protagonista central, Arcueid. Dizer que essa animação foi um fracasso seria dizer pouco. Ela não caiu no gosto popular, ao ponto de muitos sequer saberem de sua existência, mesmo tendo sido lançado e dublado no Brasil.

A comunidade em si de TSUKIHIME tem uma piada interna em dizer que não existe um anime de TSUKIHIME. Seja pelo seu tamanho curto, por não traduzir o estilo de arte da Novel para animação de maneira interessante, cores chapadas ou a nuance dos personagens, ela falhou em manter essa franquia viva, e um ano depois, a TYPE-MOON seguiria em frente com seu novo ganha pão, e TSUKIHIME se tornou um projeto B.

Para ver um lado positivo desse anime, é ótimo para assistir bêbado com amigos para dar boas risadas. Ou sóbrio fazendo análises sobre como não adaptar uma obra. Qual foi a opção que eu escolhi? Bom, eu garanto que tenho muito o que comentar sobre essas análises…

Hibernação

Em 2008, após o lançamento de Mahou Tsukai no Yoru (Witch on the Holy Night), imagens conceituais e um teaser de um futuro remake da Visual Novel original foram divulgados. Sem margem de lançamento, mas apenas de sua existência. Os personagens foram apresentados com novos designs, e, após os últimos jogos desenvolvidos pela Type-Moon, ela era reconhecida por ter os adventure games mais bonitos da indústria, portanto, foi um ponto de empolgação para os fãs da história original.

Mas após isso, silêncio. O nome TSUKIHIME foi praticamente esquecido dos lançamentos modernos, e os personagens ficaram reclusos a pequenas aparições em jogos da franquia Fate e referências. O jogo original entrou em limbo. Nunca foi portado para sistemas operacionais modernos ou consoles, e a única forma de ler essa história por aqui, sem ter fluência de japonês, eram traduções de fãs.

Neste meio tempo, Fate/ teve sua renascença de 2011 com a adaptação de Fate/Zero, e se alavancou para uma popularidade além da que já tinha. Recebendo spin-off após spin-off. Esse foi o foco da TYPE-MOON por uma década inteira, e mesmo com uma fanbase bastante vocal, muito tempo se passou até o remake de TSUKIHIME aparecer mais uma vez, a ponto de poucos saberem se o jogo sequer estava em desenvolvimento.

Felizmente, o jogo ainda existia, e, no fim de 2020, um trailer animado pelo estúdio Ufotable, desta vez, com uma margem de anúncio, foi postado. Apresentando os designs das imagens conceituais do remake que foram demonstradas em 2008.

Mas por que isso importa?

Os personagens de TSUKIHIME sempre estiveram ao alcance dos fãs da Type-Moon, de várias formas diferentes, mas no ocidente, o único jogo próprio deste universo que recebemos foi o próprio Melty Blood, que não recontava a história original, portanto, era impossível saber de onde esses personagens vieram. Além disso, a série viral, Carnival Phantasm, que recebeu vários clipes por ser uma visão mais cômica de ambas as séries da Type-Moon, mas, da mesma forma que Melty Blood, não contava de verdade de onde vieram esses personagens.

Outro fator importante é: na data do trailer de anúncio de TSUKIHIME -A piece of blue moon glass-, nenhuma visual novel da TYPE-MOON havia sido traduzida. Outras já haviam sido portadas para consoles mais recentes, porém, mesmo com o nome da empresa tendo se tornado grande no ocidente como no oriente, as grandes histórias de Kinoko Nasu (que não incluem Fate/ Grand Order no nome) continuaram com seu lançamento no ocidente, incertas.

Mas aqui estamos, 2024, três anos após o lançamento do remake no Japão, 24 anos após o lançamento do jogo original. O tempo de espera valeu a pena? Sim, mas para ver o rasgo de elogios que esse jogo vai receber aqui, temos uma sessão no site apenas para a review. É satisfatório poder dizer que acompanhar toda a jornada dessa franquia B, de uma empresa que se tornou gigante bem na frente dos meus olhos, deu não só frutos, mas muito do que falar, discutir, reclamar e, finalmente, apreciar da melhor forma possível.

Se valeu a pena jogar todos esses jogos até ter propriedade para falar deles? Com toda certeza. TSUKIHIME pode ser comparado a um patinho feio, que por algum motivo atraiu meu eu adolescente a explorar mais do que devia. Tenho muito carinho por ela, e poder dizer que está acessível a todos que tiverem interesse me enche com um calor no peito.

Vocês não podem me segurar para sempre, eu ainda irei dissertar sobre Fate.

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