Revisão: Lucas Barreto
Com o seu falecimento repentino no dia 1 de março de 2024, Akira Toriyama deixa um legado de uma carreira prolifera com artes icônicas. A influência de Akira Toriyama se estende muito mais além do que somente na indústria dos mangás e animes, tendo desenhado ao longo de sua carreira também logos para empresas, capas de álbuns, peças para model kits e, claro, ilustrações e artes conceituais para jogos de videogame. Ao longo de sua carreira, Toriyama foi capaz de criar diversos designs e ilustrações icônicas que marcaram a indústria de games em escala global, tornando-se um dos artistas mais influentes e reconhecidos da atualidade.
O presente texto trata-se de uma pesquisa acerca dos diversos trabalhos de Akira Toriyama com ênfase nos videogames. Analisando sua evolução artística ao longo dos anos a partir das artes de capa, ilustrações promocionais e artes conceituais de jogos da série Dragon Quest e demais jogos que Toriyama havia trabalhado ressaltando suas evoluções, técnicas e estilos. Todas as ilustrações referentes a série Dragon Quest podem ser encontradas no livro Dragon Quest Illustrations 30th Anniversary Edition publicado pela VIZ Media.
Dragon Quest I e II (1986 – 1987)

Akira Toriyama não possuía familiaridade alguma com videogames e acabou caindo no seu primeiro trabalho como ilustrador e designer de personagens para o jogo Dragon Quest em 1985 devido a uma conexão que o diretor do jogo, Yuji Horii, possuía com a Shonen Jump.
Toriyama foi convidado a participar de Dragon Quest enquanto estava nos primeiros anos do mangá de Dragon Ball. Por conta disso, muito do estilo de personagens e o tipo de design que foi criado se reflete no período no qual estava a arte do famoso mangaká. Nos encartes das caixas, nos manuais e artes promocionais de Dragon Quest lembramo-nos de Goku criança, além de seus encontros com diversos animais, criaturas e amigos em sua jornada pelas 7 esferas do dragão.
Em Dragon Quest, Toriyama criou um dos designs mais icônicos da história dos videogames, o Slime. Famoso por sua fofura e simplicidade, o Slime de Dragon Quest tornou-se um dos símbolos principais da franquia e um ícone referenciado em diversos JRPGs lançados posteriormente. Além do Slime, muitas de suas criações para o primeiro jogo se tornaram marca registrada para a série, tornando-se elementos recorrentes em todos os jogos posteriores. Por conta disso, torna-se inegável o impacto que Toriyama teve no estabelecimento da iconografia da série e popularização dos jogos no imaginário japonês considerando a popularidade da franquia em terras nipônicas.

É inegável que existia uma limitação do que poderia ser representado na tela do Famicom/NES na época, e a simplicidade dos designs criados por Toriyama, por serem simples, acabaram sendo traduzidos para o formato pixel art em 8-bit de maneira brilhante e eficaz. Pouco do DNA do artista se perdeu durante esse processo, o que acabou ajudando a consolidar ainda mais a iconografia da série Dragon Quest. A imagem abaixo mostra os primeiros esboços do que seriam os sprites dos protagonistas em Dragon Quest II.

Assim como era comum nas ilustrações coloridas das capas de mangás da Jump, Toriyama utilizou técnicas mais tradicionais de desenho e finalização. Como é possível observar na arte da capa do primeiro Dragon Quest, o artista utilizou ferramentas que parecem ser nanquim, aquarela e marcadores para colorir estilo Copic. A imagem a seguir, publicada no mangá de Dr. Slump e desenhada pelo próprio Akira Toriyama, ilustra alguns dos materiais que costumava usar enquanto desenhava o mangá.

Dragon Quest III (1988)

Akira Toriyama sempre foi um artista relativamente humilde, o autor se auto denotava como um artista preguiçoso (apesar do gosto por ilustrações hiper detalhadas) e que também não hesitava em se inspirar por interpretações diferentes de sua obra. Por conta disso, Toriyama também acabou sendo influenciado pela adaptação em anime de Dragon Ball lançada em 1986 em diversos aspectos diferentes de sua arte ao longo de sua carreira.
O artista já chegou a afirmar que, observando o anime, percebeu que ao separar as cores ao invés de misturá-las, faz com que a arte pareça mais limpa e também torna o processo de coloração mais ágil. Essa adoção de estilo para a pintura pode ser observado já em 1988 nas artes conceituais dos personagens de Dragon Quest III. Pode-se observar que a variação de tons para luz e sombra nas cores são muito bem definidas se comparado aos desenhos com cores mais “chapadas” de Dragon Quest I e II respectivamente.

Dragon Quest III se tornou um dos jogos mais aclamados da série e é por muitos considerada um dos melhores jogos da série e um dos mais importantes JRPGs já feitos na história da indústria de videogames. Akira Toriyama desenhou cerca de mais de 30 monstros e inimigos novos para Dragon Quest III sem contar o design dos personagens principais.
Dragon Quest IV, V e VI (1990 – 1995)

Chegando em Dragon Quest IV, pode-se observar que a partir desse título o estilo do artista já havia passado por uma mudança. Aos poucos podemos observar que, nos mangás, o traço de Toriyama foi ficando cada vez mais angular, deixando um pouco de lado o estilo arredondado e fofinho para os inimigos e personagens para dar ênfase na fluidez, agressividade e velocidade das lutas desenhadas em Dragon Ball que na época já estava em sua fase Z, com foco maior em batalhas e personagens musculosos.
Consequentemente, os protagonistas de Dragon Quest IV em diante ficaram mais altos e com membros menos distorcidos. O artista também passou a dar ênfase na anatomia e musculatura dos personagens. Não que isso indique que Toriyama havia “perdido a capacidade” de desenhar algo no estilo antigo, mas um indicativo de preferência do que o autor estava vivendo na época. No geral, essa foi uma mudança de estilo que veio muito a calhar dado ao clima mais maduro e tom levemente mais sombrio que a série tomaria em Dragon Quest IV, V e VI em relação aos seus predecessores.

Conforme a sua carreira foi avançando, Toriyama também dominou a arte de desenhar roupas e dobras de tecidos muito bem. Naturalmente essa habilidade desenvolvida se refletiu no seu trabalho como designer de personagens na série Dragon Quest. Essa característica pode ser observada principalmente nas roupas, a forma com que o tecido se comporta dado a posição dos membros e a maneira como se estica no corpo dos personagens.

Chrono Trigger (1995)

Chrono Trigger foi concebido por uma equipe de talentos aclamados pela indústria de RPGs, nomes como Hirunobu Sakaguchi (criador de Final Fantasy), Yuji Horii (criador de Dragon Quest), Nobuo Uematsu (compositor de Final Fantasy) e que juntamente com a arte de Akira Toriyama ajudaram a compor a equipe que ficaria conhecidos como a equipe dos sonhos para realizar um JRPG. O esforço para reunir esses nomes foi frutífero, e Chrono Trigger se tornou um clássico, por muitos sendo considerado o melhor JRPG já feito e com certeza um dos trabalhos mais importantes no portfólio de games de Akira Toriyama.
A habilidade de Toriyama de composição e enquadramento nos mangás já era um característica elogiada desde os primórdios da sua carreira com a serialização de Dr. Slump em 1980. Toriyama sempre se mostrou capaz de contar histórias utilizando os quadros dos mangás de uma forma com que os olhos do leitor sejam guiados naturalmente ao painel seguinte, fazendo com que o leitor tenha uma experiência fluida de leitura com o mangá.
Dito isso, uma das coisas mais admiráveis na arte de Chrono Trigger é a forma com que Akira Toriyama consegue contar uma história com apenas uma imagem. Além de design de personagens, o artista também ficou encarregado de desenhar diversas ilustrações para o jogo e nelas pode-se observar como o artista é capaz de contar uma história com apenas uma imagem além de dizer muito sobre a personalidade de cada personagem na cena.

As ilustrações e páginas de mangá desenhadas por Akira Toriyama sempre chamaram atenção por possuírem um contraste entre a simplicidade dos personagens e o nível de detalhe e funcionalidade de objetos nas cenas. Através dos seus inúmeros trabalhos é visível que o artista nutre uma paixão por animais (especialmente dinossauros) além de máquinas, robôs e animais. Chrono Trigger foi um jogo que caiu como uma luva para Akira Toriyama, visto que o mesmo pôde desenhar personagens e ambientes comuns em suas obras originais.
A imagem abaixo mostra como Toriyama sabe escolher bem um posicionamento de câmera imersivo que faz com que o espectador sinta-se parte da ilustração em questão. A posição de elementos chave guiam os olhos do espectador para pontos de interesse na cena e o senso de perspectiva e detalhes que compõem a ilustração também dizem muito sobre a construção de mundo e ambiente, ajudando a estabelecer o tom da cena.

Dragon Quest VII (2000)

Dragon Quest VII é um título muito particular da série. Um espaço de 5 anos se apresentou entre este título e o seu antecessor, preenchido por remakes de jogos anteriores da série e spin-offs. Por conta disso, houve bastante tempo para Toriyama e os desenvolvedores dos jogos maturarem suas ideias a respeito do que seria um próximo jogo de Dragon Quest. Neste jogo a equipe responsável decidiu voltar às origens e trabalhar com personagens mais novos e menores e o clima e ambientação do jogo seria a princípio mais leve e inocente.
É inegável que Chrono Trigger tenha causado um certo impacto e influência no desenvolvimento de Dragon Quest VII. Além de ambos possuírem temáticas e conceitos semelhantes, pode-se observar que o tipo de ilustração promocional produzida para Dragon Quest VII também se assemelham as ilustrações feitas para Chrono Trigger, porém, adotando um estilo de pintura diferente do habitual.

Em Dragon Quest VII, Toriyama coloriu as ilustrações sem alguma variação de tom, luz e sombra, optando por utilizar cores sólidas chapadas para as peças em questão, também é possível observar também que não existe muita variação na espessura das linhas o que ajuda as ilustrações a manterem um aspecto mais leve e cartunesco.
O tipo de arte adotado para essas ilustrações também contrasta muito com a arte conceitual dos personagens e monstros que possuem um sombreado bem forte, feito digitalmente com o que parece ser um pincel airbrush, um tipo de pincel digital bem macio que ajuda as cores a se misturarem com facilidade. Essa ferramenta apesar de ser bem prática, não é a forma que deixa a arte com o acabamento mais natural, o que nos leva a assumir que Toriyama voltaria a experimentar com a mistura gradual de cores ao invés de mantê-las separadas como costumava fazer desde 1988.

Dragon Quest VIII (2004)

Já em Dragon Quest VIII, podemos ver que Toriyama optou por seguir com arte digital. No entanto, é notável que o estilo de sombreamento evoluiu significativamente em relação ao que foi realizado em Dragon Quest VII. As sombras se tornaram menos expressivas e escuras e a variedade de tons, camadas e nuances para luzes e sombras aumentou bastante.
Aqui, pode-se observar que Toriyama começou a utilizar mais o conceito de bouncing light ou luz de reflexo em suas ilustrações. Quando se estuda luz e sombra, aprende-se que parte da luz que bate no ambiente também é refletida nas sombras de objetos que compõem a cena. A imagem abaixo ilustra bem o conceito sendo aplicado, basta reparar em como existe uma luz de reflexo azulada nas sombras.

Dragon Quest VIII tornou-se o jogo mais popular da série no ocidente no seu lançamento, com a promessa de finalmente fazer com que a franquia se tornasse popular no outro lado do mundo. Esta fama não foi à toa visto que o jogo juntamente com Dragon Quest III e V, tornou-se um dos títulos mais aclamados da série, sendo assim, consequentemente o favorito de muitos jogadores ao redor do mundo.
Dragon Quest IX, X e XI (2009 – 2017)

Chegando em Dragon Quest IX, a arte de Toriyama começou a chegar mais perto do que seria o padrão até o fim de sua carreira. A partir deste título, é notável que o estilo de lineart de Toriyama passou por uma leve mudança em relação aos seus trabalhos anteriores ainda com o digital.
Neste jogo, as linhas ficaram mais grossas, com praticamente nenhuma variação de espessura e opacidade. Esse estilo de linhas não é inédito nas ilustrações de Toriyama mas tornou-se algo extremamente comum nos seus desenhos. Essa característica ajuda a acentuar ainda o aspecto cartunesco da arte e por conta disso acaba dividindo alguns fãs por perder um pouco da organicidade dos traços antigos de Toriyama que deixava os desenhos com um aspecto mais natural.

Outra mudança notável que pode-se observar em Dragon Quest IX, X e XI é o fato de que os personagens ficaram mais esguios. Este aspecto novo da arte de Toriyama contrasta bastante contra trabalhos como os de Dragon Quest V e VI que personagens musculosos com o característico “bíceps quadrado” eram bastante comuns.
A arte de Toriyama veio aos poucos adotando a tendência de fazer com que os personagens ficassem mais magros e menos musculosos por assim dizer. Apesar disso, ainda podemos observar que as suas artes nunca deixaram de possuir uma variedade grande de tipos físicos e personagens de todas as formas e tamanhos.

Além de Dragon Quest e Chrono Trigger
Os trabalhos de Akira Toriyama não se resumem somente a Dragon Quest e Chrono Trigger. Também foram produzidos outros jogos baseados em obras de Akira Toriyama como o subestimado jogo de Dr. Slump lançado para o Playstation, o jogo de plataforma baseado em Go Go Ackman de Super Famicom e os inúmeros jogos de Dragon Ball lançados para diversas gerações de consoles ao longo dos anos. Vale ressaltar que em alguns desses títulos, Toriyama também teve envolvimento na criação de cenários e personagens novos. Em Dragon Ball FighterZ, por exemplo, foi criada a personagem Android 21, que serve como a principal antagonista da história do jogo.
Mais um trabalho não tão lembrado quanto Dragon Quest é a duologia de jogos de luta publicada pela Squaresoft em 1996 e 1997 composta por Tobal No. 1 e Tobal 2. Nesses jogos, pode-se observar que Toriyama trabalhou com proporções exageradas e personagens hiper musculosos lembrando um pouco a fase final do mangá de Dragon Ball.
Continuando a tradição de trabalhar em obras que possuem a palavra “Dragon” no título. Akira Toriyama foi convidado a participar e criar artes de personagens da série Blue Dragon juntamente com Hironobu Sakaguchi. O jogo foi lançado em 2006 e fez sucesso o suficiente ao ponto de render duas sequências, sendo estas Blue Dragon Plus e Blue Dragon: Awakened Shadow. Também houve um esforço para fazer com que a série se tornasse uma experiência cross media, com uma adaptação em anime e mangá também com design de personagens de Akira Toriyama.
Considerações finais
Akira Toriyama ao longo de seus quase 40 anos trabalhando na indústria de games foi capaz de se reinventar diversas vezes sem perder o charme de suas obras que se tornaram tão icônicas desde o início de sua carreira. Obviamente, grandes títulos como Dragon Quest e Chrono Trigger não seriam tão populares e relevantes se os jogos por si só não tivessem qualidades técnicas e de gameplay, afinal, muitos se interessaram por Dragon Quest por haver o traço familiar e chamativo de Akira Toriyama nas capas, mas no final das contas, acabaram ficando porque esses jogos de fato são bons. No entanto, é inegável que a arte tenha efetuado um papel significativo em tornar esses jogos grandes clássicos que entraram para a história dos videogames, fazendo com que esses personagens e criaturas se tornassem verdadeiros ícones que a décadas permeiam o imaginário popular.
A partida de Toriyama sem dúvidas deixará um grande vazio não só na indústria do entretenimento mas também no coração de todos que foram marcados por suas obras. Não são muitos artistas que são capazes de marcar gerações como Toriyama foi capaz de fazer, e apesar de sua partida precoce, é possível observar a influência do artista em diversas áreas que permeiam a cultura pop em geral e acredito que essa influência não irá desaparecer tão cedo.
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