Desenvolvedora: Sabotage Studio
Publicadora: Sabotage Studio
Data de lançamento: 29 de Agosto, 2023
Preço: R$99,99
Formato: Digital
Análise feita com cópia para PC (via Steam) adquirida pelo redator.
Revisão: Davi Sousa
Dirigido e publicado pela canadense Sabotage Studio, sob a direção de Thierry Boulanger, Sea of Stars é um RPG por turnos indie de fantasia ambientado há milhares de anos no mesmo mundo de The Messenger, do mesmo estúdio. Contudo, enquanto o game anterior presta homenagens a títulos como Ninja Gaiden, dessa vez o lançamento da Sabotage pode ser visto como um convite a fãs de JRPG da era 16-bits, sobretudo os inspirados em clássicos como Illusion of Gaia, Super Mario RPG, Breath of Fire e Chrono Trigger.
Análise de conceito
Analisar um jogo, bem como uma obra artística de modo geral (ao menos de um ponto de vista técnico), pressupõe uma interpretação prévia do que a obra “tenta fazer”. Só a partir disso podemos analisar se as escolhas de design foram bem ou malsucedidas em relação à proposta da obra; nisso consiste a essência de uma análise.
Podemos chamar de “conceito de uma obra” o conjunto das premissas principais que fundamentam as escolhas de game design de um jogo. O exercício de interpretação da proposta da obra é o que podemos chamar de uma hermenêutica do conceito; isso é o que faremos neste tópico.

Vale lembrar que algumas das premissas de uma obra são conscientes dos desenvolvedores (cuidadosamente ponderadas para um efeito específico), enquanto outras podem não ser, pois podem ser presumidas implicitamente por uma demanda de mercado ou pelo hábito de consumir e fazer jogos.
Isso dito, precisamos entender um pouco do conceito de Sea of Stars para sabermos o que esperar dele. Além do mais, essa parte pode ser importante também para indicar a algum jogador, pois muitas vezes um jogo pode “não ser para você” simplesmente pela proposta, mesmo que tenha sido bem-executada.
Nostalgia e design retrô

Assim como The Messenger, Sea of Stars aposta na nostalgia. Se naquele jogo a aposta era em side-scrolling de combate em plataforma, agora é em JRPG da era 16-bits. Isso se faz notar por numerosas referências de audiovisuais, de gameplay e de construção de mundo. Dá para notar que a equipe se esforçou bastante para trazer sentimentos de clássicos como Chrono Trigger para Sea of Stars, e o que mais evidencia isso é terem contratado o compositor da série Chrono, Yasunori Mitsuda.
Simplicidade e praticidade

O objetivo dos desenvolvedores de Sea of Stars não é apenas reproduzir os conceitos de JRPG clássicos de 16-bits, mas também “modernizá-los”, de certa forma, com simplificações e mecânicas que tornem a jogatina mais prática e fluida. Podemos facilmente notar que a aventura não é tão desafiadora e nem tão customizável quanto clássicos da era SNES, ao mesmo tempo em que temos uma maior variedade de opções de acessibilidade no menu, facilidade para salvar o progresso e mecanismos que facilitam a localização e a exploração durante a campanha.
Dinamicidade de gameplay

Outra característica de Sea of Stars é o dinamismo. Esse jogo não mistura ao acaso elementos de JRPG clássicos, mas sim busca combinar aqueles que propiciam fluidez e engajamento do jogador fora e dentro do combate. Isso pode ser observado, por exemplo, pelo sistema de Chrono Trigger de combate por turnos sem transição de cenário e com encontros visuais, bem como pelo sistema de Super Mario RPG que exige tempo de reação para apertar botões na hora certa.
Análise de Game Design
Agora que interpretamos alguns dos principais objetivos no conceito da obra, vamos finalmente analisar o jogo em si, observando se suas escolhas de design serviram bem a seu propósito.
Uma narrativa clássica, simples e pouco original

Escrita pelo próprio diretor, Thierry Boulanger, a história de Sea of Stars gira em torno de dois heróis, Valere e Zale, os quais foram destinados a herdar o poder do Sol e da Lua, respectivamente, para lutar contra um poderoso alquimista. O jogador pode optar por assumir um dos dois protagonistas como personagem jogável principal, mas isso fará pouca diferença no decorrer da trama, mesmo porque os dois personagens são igualmente centrais e costumam estar juntos durante a aventura.
Contudo, acredito que o personagem mais interessante da trama seja o amigo de infância dos protagonistas, Garl, o qual é um humano sem nenhum poder especial, mas um importante cozinheiro para o grupo. O papel de Garl é trazer à tona reflexões sobre a amizade e o companheirismo. Embora ele não seja alguém “destinado” a salvar o mundo como Valere e Zale, escolhe segui-los e ajudá-los no que pode. Além de tudo, é também um personagem muito carismático e humano (no sentido empático da palavra).

Outros três personagens juntam-se a eles no decorrer da aventura, mas evitarei de mencionar seus nomes para me esquivar de spoilers. Entretanto, pessoalmente não acho que seus papéis sejam tão interessantes. Em geral, os personagens de Sea of Stars possuem um bom carisma, mas eu não diria que são tão marcantes, talvez com exceção de Garl. Por outro lado, felizmente todos ganharam um ótimo conceito visual nas mãos de Bryce Kho (character designer).
O jogo é feliz em trazer elementos do mundo que lembrarão os jogadores nostálgicos de clássicos do SNES, porém a escrita da trama é significativamente mais fraca e menos cativante do que aquelas que encontrávamos em algumas de nossas aventuras nos consoles de quinta geração. Chrono Trigger, por exemplo, embora seu tom colorido e carismático pudesse levar alguém a supor o contrário, possuía uma narrativa épica de viagem no tempo com uma trama muito divertida, mas também às vezes sombria (como no futuro apocalíptico em que encontramos o personagem Robo).

Embora Sea of Stars possua alguns bons personagens no centro de sua narrativa, seu roteiro é pouco instigante e pouco original. Os desenvolvedores certamente buscaram simplicidade e nostalgia no enredo, mas não conseguiram refiná-lo e temperá-lo com algo interessante o suficiente para elevá-lo sobre os ombros dos gigantes do passado.
Um gameplay altamente prático, ágil e engajante

Sob a liderança de Thierry Boulanger, o game design de Sea of Stars foi projetado para ter uma customização simples e uma batalha por turnos engajante e com fluidez na transição entre combate e exploração. Cada personagem pode carregar consigo uma arma, uma vestimenta, três acessórios (divididos em duas categorias) e nada mais.
Não são tantas as opções de equipamentos e acessórios pelo caminho; apenas um pouco mais do que o bastante para preencher os slots de todos os personagens da party. E a progressão das armas é completamente linear, basta comprar ou adquirir a próxima durante a aventura (será superior em tudo em relação à anterior).
Também não há árvore de habilidades ou seleção de atributos, tudo funciona automaticamente conforme os personagens sobem de nível. Contudo, a cada level você pode optar por uma de quatro opções para dar pontos de atributo extra para seu personagem, como escolher dar-lhe mais pontos de vida do que pontos de defesa.

A maior virtude do gameplay parece estar no sistema de batalha. Ao encontrar os inimigos pelo caminho em sua jornada, você pode fugir deles (cada um possui um padrão diferente de movimento) ou pode enfrentá-los. Ao começar o combate, os monstros e seus personagens permanecem no mesmo cenário e o espaço em que estão influenciam na luta.
Há habilidades em área que atingem inimigos que estejam enfileirados ou próximos, combos específicos com personagens da sua party, e mesmo habilidades que podem mover os inimigos de lugar. Quando comentei sobre a demo de Sea of Stars no Nintendo Blast, apenas fiquei preocupado com o quão lento o jogo estava para a transição do combate, mas felizmente isso foi melhorado e está bem dinâmico e prático.

Há ainda outros sistemas que favorecem o dinamismo. Um subsistema bacana é o de absorver energia dos inimigos a cada dano infligido. A energia dispersa-se em cristais que podem ser acumulados em até três vezes e usados para amplificar o dano de seus personagens. E você não precisa se preocupar em ressuscitar seus personagens na maioria das vezes, pois voltarão à vida automaticamente depois de alguns turnos; o que mais uma vez reforça o dinamismo do gameplay.
Outra parte interessante do combate está em como ele engaja o jogador para fazer ações. Não basta selecioná-las, mas também passar por desafios de tempo de reação em que você precisa apertar um botão do controle na hora certa para lançar um poder mais poderoso, bloquear golpes, tirar dano crítico, entre outros artifícios. Algo já bem conhecido nos jogos de RPG de Super Mario, mas que aqui casam perfeitamente com o design fluido de Chrono Trigger. Além disso, a especialidade também é levada em conta; para usar um ataque de “bumerangue”, por exemplo, faz toda a diferença no ritmo de apertar o botão a localidade dos inimigos.

O level design, por sua vez, ficou sob os cuidados de Phillipe Dionne. Devido à busca por simplicidade e praticidade, podemos notar como a exploração é quase sempre linear, e em especial são previsíveis onde estarão os inimigos. Em coerência com a preocupação de praticidade, no mapa-mundi em que velejamos por diversas ilhas há sempre uma indicação de onde é para ir, garantindo que não nos percamos.
Há coisas secundárias a se fazer, incluindo um mini-game de pescaria bem prático e útil, pois também serve para conseguir recurso para cozinhar comidas com seu cozinheiro. E somente você chegará ao final verdadeiro se conseguir fazer muitas tarefas opcionais, incluindo encontrar 60 conchas de arco-íris. Entretanto, a trama é pouco recompensadora para que o jogador invista nessa tarefa, também o combate pouco desafiador não contribui para incentivar exploração, e tampouco são interessantes as missões menores do jogo.

Provavelmente o ponto mais alto do level design está nos puzzles. Alguns deles lembram Chrono Trigger, mas possuem alguma originalidade própria, bem como são mais frequentes nas dungeons, e possuem uma boa variedade. Não se pode dizer que sejam puzzles difíceis, mas são mais presentes e interessantes do que de costume em JRPG de estilo 2D de visão superior. Além disso, temos boas batalhas contra chefes, e o combate com alguns deles por si só envolve pequenos puzzles ou pelo menos o cenário em que os enfrentamos.
Um belo e nostálgico design audiovisual

Além da convergência de fatores para o dinamismo de gameplay, a outra principal virtude de Sea of Stars está em sua produção audiovisual. Para começar, de vez em quando temos algumas curtas cutscenes estilosas (de Carl Dubreuil) que contribuem para a imersão em momentos-chave da trama. E Michaël Lavoie liderou a construção do ambiente e dos cenários do jogo, entregando um trabalho de pixel art lindo, relaxante, colorido e nostálgico.
Achei especialmente bonitas a cidade costeira e as paisagens naturais em regiões litorâneas ou com vegetação rasteira. Apesar do estilo de pixel art lembrar bastante Chrono Trigger e Breath of Fire, é possível ver uma identidade própria nos temas de alguns locais, bem como um maior detalhismo artístico.

Todo esse trabalho visual combina perfeitamente com a experiência retrô, também dinâmica e sempre saborosa da trilha sonora. Parte dela foi composta por Mitsuda (de Chrono Trigger), como já dito, e ele esteve por trás de algumas das melhores e mais relaxantes peças para atmosfera e ambiente para exploração.
Por outro lado, Eric W. Brown liderou a composição do jogo (sendo responsável pela maior parte das músicas) e também cuidou do design de som. Seu trabalho também é excepcional e precisa ser sublinhado. As músicas de batalhas de Brown, por exemplo, possuem uma ótima sinergia com os sistemas de combate; elas são agitadas e muito bem embaladas, lembraram-me de músicas de clássicos run-and-gun e jogos de corrida antigos, como Top Gear. Outro detalhe interessante é como as músicas in-game são interativas (confira no trecho de vídeo abaixo como os instrumentos da música param de tocar quando interagimos com uma banda na cidade).
Vale destacar também o trabalho de Brown no design de som; alguns momentos sem música são propícios para percebermos a crocância dos efeitos sonoros para o ambiente sem os quais as composições de Mitsuda não teriam o efeito que têm. De início, aliás, temi que os estilos de Brown e Mitsuda pudessem destoar um do outro na OST, mas felizmente casaram muito bem entre si, com os sons do ambiente e também com o gameplay.
Confira abaixo um trecho de gameplay em que se pode ver um interessante efeito visual quando nossos personagens lutam embaixo do gelo. Note também o trabalho de som e música durante a transição para combate.
Conclusão
Apesar de ter pouca originalidade em vários pontos de seu design, apresentar uma narrativa pouco interessante e criativa como RPG, bem como um mundo com uma exploração um tanto limitada, Sea of Stars tem alguns bons personagens, um gameplay acessível, divertido e altamente dinâmico e engajante, bem como um audiovisual excepcional em estilo retrô que faz jus aos clássicos em que se inspira ao mesmo tempo que possui um frescor próprio e moderno.
O jogo é recomendado a fãs de JRPG clássicos que estejam atrás de nostalgia e entretenimento retrô fácil nesse gênero, mas estejam avisados de que provavelmente descobrirão uma história leve e modesta.
Prós:
- Gameplay altamente dinâmico, fluido e engajante em várias camadas;
- Game design no geral bem nostálgico e relaxante para fãs de JRPG da era 16-bits;
- Alguns bons personagens, e todos os jogáveis com um bonito design próprio;
- Uma excelente produção visual e sonora que tanto possui um espírito clássico quanto detalhismo e uma sutil personalidade própria que combina com o estilo de gameplay.
Contras:
- Pouca originalidade em game design no geral;
- Narrativa pouco interessante, não tão desenvolvida e pouco criativa;
- O design da exploração é um tanto limitado;
- Jogo pouco desafiador e um pouco simples demais em alguns aspectos de customização.
Nota final:
8
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